Você vive dizendo por mim, como se soubesse o que eu quero. Diz que sou chata, que serei a tia solteirona — como se esse fosse o meu destino inevitável. Como se, por eu ser lésbica, houvesse algo de errado comigo.
Mas não é isso que eu quero.
E se eu soubesse que você não surtaria, que não levaria tudo para o lado errado, eu sentaria ao seu lado e contaria tudo o que está engasgado no meu peito há tanto tempo.
Você se conforma com uma ideia de mim que não é verdadeira. Acha que devo viver somente como a filha que não tem ninguém, que ama os sobrinhos, que cuida da irmã mais nova — mesmo quando ela crescer.
Mas, mãe, eu não nasci para viver de restos de afeto, nem para assistir à vida passar pelas janelas alheias.
Se você tivesse me perguntado de verdade, se tivesse olhado para mim com os olhos de quem quer entender, saberia o que o meu coração deseja.
Todos têm alguém.
Meu irmão, por exemplo, tem só 16 anos e já trouxe uma menina para dormir em casa.
E eu? Por que não posso?
Ah, é. Porque sou a filha lésbica.
A filha perfeita enquanto não me relaciono com nenhuma mulher.
A obediente. Que ajuda em casa. A que cuida da irmã — enquanto você vive sua vida, enquanto você vive o seu amor.
Mas basta eu dar um passo em direção à minha verdade, e tudo desmorona.
Num instante, deixo de ser motivo de orgulho e viro o desgosto da família.
Como se a minha orientação anulasse a minha humanidade.
E antes que diga que nunca dei sinais, a verdade é que dei todos. Você somente escolheu ignorá-los.
Você preferiu varrer minha homossexualidade para debaixo do tapete.
Em alguns momentos parecia aceitar, em outros, recuava.
Eu nunca disse o que sentia — nunca tive coragem.
Porque, quando fui exposta, quando minha sexualidade veio à tona, você gritou que não queria saber nada da minha vida.
Então eu me fechei. Me retraí.
Não porque sou chata.
Mas, porque algo em mim já doía profundamente.
E eu não queria sentir ainda mais dor.
Fiquei quieta, reclusa. Como você preferiu.
Mas saiba: isso não vai durar para sempre.
Porque o tempo passa — e a verdade, cedo ou tarde, emerge.
Você diz que o certo é viver sem ninguém.
Mas se amar fosse tão supérfluo, por que você mesma passou por tantos relacionamentos?
Você procurou amor a vida inteira. E, quando não dava certo, chorava.
Eu também não tenho esse direito?
O direito de quebrar o coração.
De sentir o calor de um abraço apaixonado.
De viver a dor e a beleza de amar — e ser amada.
Mãe, eu sou um ser humano antes de ser uma mulher lésbica.
Tenho os mesmos sentimentos, os mesmos desejos.
Também quero uma vida inteira com alguém.
Quero amar uma mulher.
Quero crescer com ela, construir uma história, planejar um futuro.
Olhar para ela e pensar: “eu quero me casar com você.”
Será mesmo tão difícil de entender?
Vejo casais de mulheres pela internet.
Nem tudo é perfeito, eu sei. Mas fico me perguntando:
Quando será a minha vez?
Você nunca notou, nos meus olhos, o quanto dói?
Por que preciso ficar para “titia”, se tudo o que desejo é viver o amor como qualquer outra pessoa?
Você também desejou isso a vida inteira, mesmo que diga o contrário.
Eu estava lá. Eu vi. Senti contigo cada fase da sua dor.
Por isso dói tanto ouvir você reforçar essa solidão como meu destino.
Dói ver seu apoio ao meu irmão, enquanto sigo invisível — como se não merecesse o mesmo afeto, a mesma esperança.
O que há em mim que é tão diferente dele?
Acha que minha pele, meu corpo, minha essência são indignos de amor?
Ele vai amar. Vai casar. Vai ter filhos — e você vai apoiar. Ira amar seus netos, mesmo que diga que não os quer.
E eu?
Você acha que eu deveria viver sozinha para sempre?
Nunca sentir o calor de uma mulher que me ame?
Nunca amar?
Nunca ser amada?
Se for esse o plano, então eu não quero envelhecer.
Não quero chegar aos cinquenta, aos sessenta, sentindo que passei a vida inteira sem viver o que havia de mais humano em mim. O amor.
Mãe, eu quero me casar.
Quero ter filhos.
Quero uma vida simples, real, possível.
Quero ter o direito de amar.
Eu queria que você me entendesse.
Porque, toda vez que você afirma como devo viver, mais uma parte de mim morre.
E cada vez que morre, fico mais convencida de que meu fim será a solidão.
Mas não é isso que eu quero.
Não é isso que eu mereço.
Com amor e dor,
Sua filha.
doeu. dói muito ver que tantas de nós ainda vive nessa realidade e que nossos destinos sempre são selados pelos outros. eu espero ler sobre seu casamento um dia 🧡
Falou bonito e ainda falou pouco,a gente mulheres lésbicas que sofrem dentro de casa por não ter a aceitação de quem botou a gente no mundo,não pedimos pra nascer,não escolhemos ser lésbicas,escolher sofrer preconceito de homens que batem no peito dizendo "Essa da ai só precisa de um homem que pega ela de jeito" tudo isso é ridículo,não escolhemos sofrer e ter o risco de apanhar nas ruas só por amar alguém do mesmo gênero